No Meu tempo e no Nosso tempo
Desde
sempre, me lembro de ouvir esta expressão "No meu tempo é que era
bom...", em relação às mais diversas coisas, na boca das pessoas mais
velhas e, agora, que também eu já pertenço à geração dos mais velhos,
continuo a ouvi-la, dita por pessoas da minha idade, mais velhas ou,
até, mais novas.
Esta
expressão vem carregada de crítica ao tempo atual e de saudosismo de um
outro tempo, bem melhor, que foi o vivido na juventude.
Estas
comparações, em muito casos, têm tanto de ridículas, como de absurdas,
porque tendem a comparar realidades e circunstâncias diferentes ou mesmo
incomparáveis.
Mais absurdo me parece que se refiram à sua juventude como um tempo em que as pessoas eram melhores ou mais honradas.
Que
me tivesse dado conta, os seres humanos não sofreram grandes alterações
e continuam tão bons, ou tão maus, como o eram há 50, 100 , 200 ou 500
anos.
Aliás,
se alguma coisa aconteceu, foi no sentido de se tornarem melhores, uma
vez que, pelo menos, hoje em dia, já não se assistem a torturas públicas,
para regozijo do público, já não existe escravatura, pelo menos
legalizada, existindo, por outro lado, leis e organizações que defendem
e protegem os mais frágeis ou menos capazes.
Esta
atitude de crítica e saudosismo, por parte dos mais velhos, sempre me
confundiu, pois ela manifesta uma tendência para romantizar o tempo
passado, transformando-o numa referência quase mítica, omitindo ou
"esquecendo" que, como é evidente, ele foi também um tempo de coisas
más.
Hoje,
que vivemos em plena crise do capitalismo, fico muitas vezes
boquiaberta perante as coisas extraordinárias que as pessoas dizem.
Umas referem com saudade e desalento: "precisávamos era de um novo Salazar" ou "precisávamos é de um novo 25 de Abril".
Mas,
por outro lado, também me deixam boquiaberta outras afirmações ou
reivindicações, dos descrentes da sociedade e dos
(pseudo)revolucionários, tais como, "Não deviam existir políticos." ou
"Exigimos, temos direito, queremos a nossa vida de volta.".
Todas estas frases são, para mim, demonstrativas do total alheamento, da realidade que nos cerca, em que muitos parecem viver,
O tempo do Salazar não volta, nem as circunstâncias socioeconómicas, políticas
ou de evolução cientifica e tecnológica da altura, nem, tampouco, volta
o 25 de Abril. Aliás, foram esses tempos e acontecimentos que nos
conduziram aqui.
A
não existência de políticos ou a exigência de voltar ao passado, ainda
que esse seja um passado próximo, são reivindicações absurdas, uma vez
que não é possível voltar atrás no tempo, e, no mundo em que vivemos,
Terra 2013, não é possível existir um país, sem que nele existam
políticos, para formarem governos e manterem o país, tanto quando
possível, reconhecido como tal, com identidade própria e independente.
Da mesma forma, exigir a vida que tínhamos e que perdemos, é semelhante a ter 50 anos e exigir voltar a ter 30.
As
circunstâncias mudaram, a realidade alterou-se, o paradigma em que
vivemos, era Pós-industrial, é diferente do paradigma anterior, das
Revoluções Industriais.
O
Capitalismo estrebucha e já não nos serve. Acontece que os sistemas
económicos não têm identidade, nem vontade própria. São uma criação
fictícia dos homens.
Os sistemas políticos e económicos são criados para servirem os homens e não para que os homens os sirvam.
Assim,
pela lógica, faria sentido que, quando um sistema já nada de bom tem
para nos dar, fosse alterado, erradicado ou substituído por outro.
No
entanto, alterar todo um sistema é algo deveras difícil e melindroso,
que, na fase de mudança, fará, inevitavelmente, muitas vítimas e muitas
dores. Semelhantes às nossas dores, físicas e morais, de crescimento,
mas estas repercutindo-se por toda a sociedade.
Por outro lado, esta última e penosa fase do capitalismo, conduziu-nos a situações, no mínimo, aberrantes.
Agora,
até porque vivemos na Era da Globalização, os países têm grande
dependência uns dos outros, a vários níveis, sendo esta tanto maior
quanto mais pobres e menos evoluídos os países forem, perdendo, portanto, grande parte da sua autonomia e autodeterminação.
Mas, mais grave do que essa situação, é o facto de os destinos dos países não se encontrarem, verdadeiramente, nas mãos dos políticos que os "governam", mas sim nas dos grandes grupos económicos internacionais.
Vivemos
uma crise mundial. Vivemos a crise do capitalismo. Nada voltará a ser o
que era. E, é a partir desta realidade que temos de construir o futuro.
Na verdade, são os mesmos, que nos exploram e controlam a economia,
que, simultaneamente, investem no progresso e na evolução das
sociedades.
Se,
por absurdo, fosse possível reunir todo o dinheiro do mundo e
distribuí-lo, igualmente, por todos os seres humanos adultos, o mundo
seria um lugar melhor e mais justo?
Não
me parece. Infelizmente, essa não seria a solução. Porque as massas,
salvo em raras e honrosas situações, não têm capacidade de gerir,
organizar e, muito menos, contribuir para a evolução e progresso do
mundo.
Se tal fosse possível, nunca a sociedade se teria organizado, através dos tempos, da forma que o fez.
Nos
primórdios da civilização humana, os Chefes das Tribos, os Feiticeiros
e os Conselhos de Anciões eram os dirigentes máximos e, portanto, quem
determinava, transmitia e fazia cumprir as regras, valores, atividades,
tradições ou justiça naqueles pequenos grupos.
Essas
designações e poderes eram-lhes atribuídas por características e
capacidades que, de alguma forma, os distinguiam dos demais ou pelo
facto de serem mais velhos, pois que a idade era factor tido em conta
como fonte de experiência e sabedoria
Nem
a passagem do séculos, nem a evolução cientifica, tecnológica e
económica, aliadas à educação, vieram alterar essa realidade tribal, de
forma significativa. A maior alteração foi na quantidade e não na
qualidade.
Essa
quantidade, presentemente sete biliões de seres humanos, apenas tornou
mais complexas e diversificadas as hierarquias e a distribuição dos
bens, poderes e atribuições.
Não me parece existir nenhuma outra razão plausível para que 7 biliões de pessoas sejam dirigidas, controladas e manipuladas
por umas quantas centenas ou milhares de outras, que não seja o facto
de estas terem determinado tipo de características e aptidões que lhes
permite ascender a posições de destaque e supremacia. No
entanto, isso só pode acontecer porque os outros biliões restantes
preferem manter-se desorganizados e indiferentes, sem se darem ao
trabalho de refletirem, questionarem a realidade que os cerca,
solidarizarem-se, etc.
Desde
os finais do séc. XIX, abraçámos o Estado Social como sendo a resposta
às nossas dificuldades e, portanto, como principal pilar do bem-estar
social, o qual era a face mais visível da prosperidade, desenvolvimento e evolução das sociedades.
Parecemos
ter esquecido que esse Estado Paternalista e Protetor se por um lado
nos apoia e protege, por outro retira-nos a autodeterminação e a
liberdade.
Não
escolhemos o médico, porque temos um sistema nacional de saúde, o qual
é dirigido e é propriedade do estado. Não escolhemos a escola, pela
mesma razão. Não poupamos para a velhice, porque o Estado guarda o
nosso dinheiro, enquanto estamos ativos profissionalmente, e no-lo devolve, mensalmente, quando nos reformarmos.
Este
estado social parece evidenciar que não passamos de crianças
irresponsáveis e incapazes de tomar as nossas próprias decisões ou
precaver-nos para a velhice.
Muitos
demitiram-se das suas responsabilidades, a tal ponto que, tomando-se
de uma espécie de superioridade arrogante, nem se dão ao trabalho de
contribuir, das formas mais básicas, para as decisões mais importantes dos países. Muitos defraudaram os sistemas que os protegiam e eram a base da sociedade em que vivíamos.
Agora há choro e ranger de dentes, mas, aquilo que possibilita que algumas centenas ou poucos milhares de pessoas dominem, controlem e manipulem biliões, o que, à partida, pareceria uma impossibilidade matemática, só pode ser explicado pela inércia, irresponsabilidade, falta de solidariedade e interesse desses biliões.
Estamos
perante os factos e perante a crise. O desemprego, as falências, a
pobreza e a revolta alastram por todo o Mundo Ocidental.
E,
nós, vamos esperar, entre gritos, greves, culpabilizações, discussões e lamentações, que
uns "Eles", sujeitos não identificados, possivelmente, mesmo,
imateriais, decidam, resolvam e façam história por nós?
Vamos
continuar em carneiradas, presos a dogmas e slogans, a "verdades"
propagandeadas pelos porta-vozes dos partidos, e à nossa própria
inércia, que depõe nas mãos de outros, que não nós, a responsabilidade
pelas nossas vidas?
Para que nos servem então os nossos extensos currículos e os nossos estimados certificados?
A título de exemplo, da falta de organização e solidariedade das pessoas, apresento-lhes 3 situações que conheci de perto :
1º Exemplo: ( 2 situações distintas que tiveram lugar uma no Distrito de Viseu, outra no Distrito de Setúbal (Alentejo)
Queixavam-se
os produtores de produtos hortícolas e frutícolas de
terem dificuldade em colocar os seus produtos no mercado e de se
encontrarem à mercê dos grandes grupos económicos, relativamente aos
preços a que vendiam os seus produtos.
No
entanto, quando alguns "carolas" tentaram criar organizações, de
produtores / agricultores, que procedessem ao armazenamento, seleção e
colocação do mercado desses mesmos produtos, a um preço competitivo, a
grande maioria desses pequenos, ou grandes produtores, acabou por
"furar" o esquema e, em vez de vender os seus produtos através dessa
organização ou cooperativa, decidiu vendê-los a quem mais lhe pagou por
eles.
Resultado:
Por um lado, essas cooperativas / organizações não se conseguiram
implantar no mercado, como organizações com credibilidade e capacidade
para negociar preços com os grandes grupos que dominam o mercado da
venda ou revenda, e, por outro, os que venderam os seus produtos à
margem da Cooperativa, venderam-nos um ano, ou dois, e depois os
compradores desapareceram e foram comprar noutro local.
2º Exemplo (Localizado no Alentejo)
Recentemente,
os montados de sobro do Litoral Alentejano foram atacados por uma praga de
Lymantria, L., desfolhador do sobreiro (pequenas lagartas que se
alimentam das folhas do sobreiro, provocando o seu enfraquecimento e
baixado a qualidade da cortiça).
A área afectada, perto de um milhar de hectares, sendo que o número de produtores / silvicultores, mais afetados, ascendia aos 19.
Um
grupo empreendedor desenvolveu uma série de ações, na tentativa
de combater e minimizar os efeitos nocivos da praga, nomeadamente
contactando diversas entidades relacionadas com a legislação
e proteção da floresta, mas, para que fosse possível dar seguimento às ações
iniciais, era necessário reunir todos os silvicultores afetados pela
praga, para que, em conjunto, assinassem documentos e chegassem a um
acordo sobre as formas de atuar.
Foi
marcada uma reunião, por alguns desses "carolas", na qual estaria,
também, presente o representante de uma Associação de produtores
florestais, que iria dar as informações fundamentais para que fosse
possível realizar uma ação eficaz e concentrada, com o mínimo de custos
para todos.
A
reunião realizou-se, é certo, mas, dos 19 interessados, apenas 7
estiveram presentes, pelo que qualquer ação conjunta e menos dispendiosa
ficou de imediato inviabilizada.
Ficamos então na esperança de que o inverno rigoroso extermine a praga.
Note-se que Portugal é o maior produtor mundial de cortiça e que o valor gerado pelas exportações portuguesas de cortiça se revela extremamente significativo, dado representar aproximadamente 0,7% do PIB (preços de mercado), 2,2% do valor das exportações totais portuguesas e cerca de 30% do total das exportações portuguesas de produtos florestais. (Fonte: Apcor)
E, é assim, que, por desinteresse, preguiça, ganancia,
inércia ou falta de perseverança, organização e solidariedade, vamos deixando nas mãos
do clima ou dos grandes grupos a "resolução" dos nossos problemas.
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