"Talvez a pior forma de fazer justiça: dar igual aos diferentes."
Hoje, numa das minhas visitas aos blogs que sigo habitualmente, deparei-me com a frase que serve de título a esta crónica, num dos blogs de Ana Bailune, "Passagem", no qual são postadas frases ou pensamentos de outros autores.
A frase em causa é retirada do livro "O Espelho da Lua - Experiências de espiritualidade e xamanismo na Floresta Amazônica" de Maria Helena Nóvoa.
Esta resume, de forma perfeita, o essencial de algumas das minhas reflexões, direi mesmo preocupações, relativas à Educação.
Atualmente, estão identificadas as causas da maioria das dificuldades de aprendizagem das crianças e jovens. As causas podem ser várias, mas as mais comuns são o Transtorno de Deficit de Atenção, a Síndrome de Asperger, a Dislexia e a Disgrafia,
Estas disfunções não se enquadram na deficiência mental, mas podem causar dificuldades de aprendizagem, integração social e desvios comportamentais.
Antigamente, estas crianças eram apelidadas de burras, alvos de chacota dos colegas e, muitas vezes, vítimas de violência, pois, não raras vezes, as suas dificuldades de aprendizagem eram punidas com réguadas diárias e "orelhas de burro", por parte dos professores, e castigos físicos ou morais, por parte dos pais.
Embora, hoje em dia, as dificuldades estejam identificadas, os problemas provenientes das mesmas têm um elevado grau de complexidade.
Se o deficiente mental é, agora, aceite e se integra na sociedade, ao contrário do que acontecia outrora, em que era mantido à margem ou mesmo escondido desta, não se esperando dele aprendizagens ou comportamentos diferentes do que a sua condição mental permite, já o mesmo não se pode dizer que aconteça com as crianças com aqueles tipos de disfunções.
Para os pais é complicado aceitar e explicar que o seu filho ou filha, ainda que tenha uma inteligência considerada dentro dos parâmetros da normalidade, não tenha os comportamentos ou aprendizagens consideradas adequadas.
Para os professores é difícil encontrar formas de lidar com estes casos, quer pela perturbação que causam nas aulas, quer ao nível da transmissão dos conhecimentos, não só porque, na maior parte dos casos, não têm formação adequada para o efeito, como porque com turmas de 20 a 25 alunos lhes é humanamente impossível prestar uma atenção diferenciada a estes alunos.
Estas crianças ou jovens não têm indicação para frequentar outras instituições que não as do ensino regular, mas muitas delas encontram-se ao abrigo do Decreto -Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, o qual lhes confere condições especiais de acompanhamento e avaliação.
Mas, na prática, qual é o resultado desta legislação e como se integram estes alunos, no meio escolar?
É a partir desta questão, que me coloco e que vos coloco, que o título desta crónica ganha sentido. "Talvez a pior forma de fazer justiça: dar igual aos diferentes."
Todos os dias estas crianças se vêem confrontadas com a sua incapacidade de acompanhar as aprendizagens da maioria dos colegas. Muitas delas são alvo de chacota, em virtude das suas dificuldades. Muitas isolam-se dos demais. Muitas têm comportamentos desadequados. Uns são excessivamente irrequietos ou faladores, outros são agressivos.
Os pais são frequentemente chamadas à escola, quer porque os filhos não conseguem adquirir os conhecimentos suficientes, quer porque o seu comportamento perturba o normal funcionamento das aulas. O que faz com que, muitas vezes, se sintam desesperados, impotentes, desiludidos ou, até mesmo, envergonhados.
Os professores vêem-se confrontados com uma situação para a qual não estão preparados e, mesmo com a ajuda de professores do ensino especial, não conseguem agir de forma eficaz, perdendo o controlo das turmas ou transmitindo a esses alunos que pouco esperam deles.
A maior parte destas crianças, ou jovens, não gosta da escola, quer porque a tentativa de acompanhar as atividades escolares lhes exige um enorme esforço, o qual, geralmente, não produz os resultados a que aspiravam, quer porque todos os dias se confrontam com as suas dificuldades em acompanharem as aprendizagens dos colegas, quer ainda porque, muitas vezes, são alvo de discriminação por parte dos colegas ou professores.
Certamente, não venho aqui advogar que estas crianças deveriam ser colocadas em escolas especiais, situação que as marginalizaria, mas, por outro lado, não estaremos, atualmente, a fazer um integração hipócrita e marginalizante?
Se estas crianças e jovens são diferentes, porque não os aceitamos como tal?
Quando digo aceitar como tal, refiro-me à criação de turmas mais pequenas, dentro da escola regular, onde estes alunos realizem as suas aprendizagens com tempos, métodos e abordagens diferentes e diversificadas.
Turmas em que eles não se sintam sempre como os piores da turma. Em que conseguir alcançar os objetivos não signifique ter a positiva mais baixa da turma.
Turmas em que todos sintam que é normal e que têm direito a ser diferentes.
Todas, ou quase todas, estas crianças têm aptidões e condições para se transformarem em adultos responsáveis, capazes de desenvolver diversos tipos de atividades profissionais e, inclusivamente, para realizarem cursos universitários.
Não estaremos, na verdade, a marginalizá-los, ao queremos integrá-los "à força", confrontando-os diariamente com as suas dificuldades e limitações face aos colegas "normais", sem lhes dar as condições que de facto necessitam para terem sucesso escolar, de acordo com as suas velocidades e condicionalismos de aprendizagem?
Somos todos seres humanos com direitos iguais. Entre esses direitos, encontra-se o direito a ser diferente.
Felizmente, somos seres humanos, não estamos formatados, não saímos de uma produção em linha, em que o ser seguinte é igual ao anterior.
Se somos diferentes, temos capacidades diferentes, necessidades diferentes, formas diferentes de atingir os objetivos.
Essa diferença pode ser um problema ou uma riqueza, depende da forma como a encaramos.
Convido-os a debaterem este tema, o qual é por demais importante, no momento atual.
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