CADERNO DE DUAS LINHAS

Há muitos anos, quando eu fui para a Escola Primária, o caderno de duas linhas já se encontrava, praticamente, em desuso. 
No entanto, como, antes de ir para a escola,  aprendi a ler e escrever, em casa, com a minha avó, pelo método João de Deus, o Caderno de Duas Linhas foi o meu grande companheiro de  iniciação às letras.
Nunca percebi por que razão este Caderno, tão especial, foi condenado ao ostracismo.
O Caderno de Duas Linhas  era um excelente ajudante na aprendizagem da escrita. As  duas linhas limitadoras ajudavam-nos a escrever letras mais harmoniosas e de igual dimensão.
Penso que esta queda em desuso coincidiu com a emergência das novas correntes da psicologia e da pedagogia que advogavam que as crianças não podiam ser contrariadas, para não ficarem frustradas, nem limitadas, para que a sua imaginação e capacidade criativa não fosse reprimida.
Acontece que as crianças são pessoas pequenas, que um dia serão adultas, pelo que, se não aprenderem a lidar com a frustração, desde pequenas, será dolorosamente difícil aprendê-lo quando forem adultos.
Hoje em dia, há muitas crianças a quem não é ensinada uma das regras mais elementares da vida em sociedade, cumprimentar os outros, e, aparentemente, também é deixado ao seu critério  como se deverão comportar num restaurante ou qualquer outro local público, ou se devem, ou não, bater e gritar com os pais, quando são contrariadas. 
Educar é tanto ensinar regras e limites, como dar instrumentos, aos nosso filhos, alunos ou educandos, para que possam fazer as suas escolhas de forma consciente, para que apreendam conhecimentos que sejam as bases para deixarem voar a imaginação, desenvolver a sua criatividade e crescer, em todas as dimensões que um ser humano pode crescer.
O Caderno de Duas Linhas, para além da sua função de guia das letras, também, de alguma forma, simboliza, através das suas linhas limitadoras,  os valores, regras e limites em que devemos basear o nosso comportamento social e moral.
Podemos sempre ultrapassar os limites, podemos torná-los maiores e criar novos, mas devemos tê-los como guia para as nossas escolhas.
A abolição do Caderno de Duas Linhas precedeu outras alterações significativas efetuadas na Educação, muitas delas terão sido boas,   mas outras deixam-me perplexa.
Deixou de se valorizar a memória, como um dos elementos constitutivos da inteligência, de tal forma que, se antes os meninos passavam horas a recitar a tabuada, hoje poucos a sabem.
Deixaram de se fazer palavras difíceis e ditados, os quais eram uma ajuda preciosa na aprendizagem da ortografia correta das palavras.
Os imortais Lusíadas,  que ensinaram a tantos meninos as aborrecidas e difíceis regras gramaticais do nosso português, foram considerados fascistas, a seguir ao 25 de Abril, e, desde então, apenas são trabalhados no ensino, como obra literária de maior importância, mas, na maior parte dos casos, dificilmente esta é compreendida, porque os meninos vivem entre alterações diversas e confusas da gramática, mas, agora, já não têm os Lusíadas para os ajudar a entendê-la.
Atualmente, valoriza-se a capacidade das crianças para resolver enigmas, charadas ou anagramas, antes, mesmo, de saberem ler e escrever corretamente e sem que tenham percebido e, muito menos, interiorizado os conceitos que estes trabalham.
Em Educação, tal como em todas as outras coisas, o novo não é bom por ser novidade, nem o velho é mau por ser antiguidade. Em todas as épocas tem havido coisas boas e más e a habilidade está em conseguir juntar o melhor de todas elas, como base para a organização e modelo dos sistemas educativos.
Afinal, a Educação é o principal motor da evolução, desenvolvimento e crescimento dos homens e do mundo. Investir nela é investir no futuro, na continuidade da raça humana.
É bom que tenhamos um Caderno de Duas Linhas que nos guie, por forma a saltarmos para o futuro e a estabelecermos  novos e mais fundamentados limites.

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